Trovas

Ó cegos que os bens Terrenos
Com tanto ardor procurais,
Como se fossem eternos:
Não são, nem sois imortais.
Eu não sei por que tens medo,
E encobres os lábios teus,
Fazendo o maior segredo
Do que estás pedindo a Deus.
Do céu a altura é tamanha,
Que tanto faz eu estar
No pico de uma montanha
Como no fundo do mar.
Se em mim a tristeza existe,
Não demonstro, eu sou assim:
Gosto às vezes de estar triste,
Mas somente para mim.
Paredes que foram feitas
Para a gente se abrigar,
Vão servir para esconder
Os que desejam pecar ...
Inútil é viajar
E andar pelo mundo, à toa:
A gente, para mudar,
Só virando outra pessoa...
Limpa a casa sem parar,
Trabalha de fazer dó:
Qualquer dia ela me varre
Pensando que eu virei pó ...
Num retrato para a História,
Vê–se “o herói” a descoberto.
Não sei não... só seus culotes
O conheceram de perto ...
Tenho um punhado de netos
Que acho o maior dos baratos:
São lindos quando estão quietos
E sorrindo nos retratos ...
Fui sempre assim, desde quando
Um simples menino eu era.
O sol vinha despontando
E eu já estava à sua espera.
Não grito, não desespero,
Nem xingo a minha mulher:
Quando não tem o que eu quero,
Quero aquilo que tiver.
Todo dia o Chico Anysio
Diz na tevê que o Bozó
Pensa somente “naquilo” ...
– Pensar ele pensa, e é só.
Pela vontade de Deus,
Houve sempre esta união:
O silêncio já nasceu
Casado com a solidão.
Se da perda de um amigo
Outros não te consolaram,
Pergunto de que valeram,
Os amigos que ficaram?
Muitas vezes, onde a gente
Nenhuma esperança tem,
Dali é que, de repente,
O benefício nos vem.
Deus sempre teve esta norma:
Só concede a sua graça
Àquele que se conforma
E não maldiz a desgraça.
A vontade é milagreira:
Faz mais o fraco que quer
Do que o forte que não queira,
Por mais força que tiver.
Chorar, que vale afinal?
Uns olhos tristes que choram
Não resolvem nenhum mal:
Louvor às mãos que laboram!
Por menos que eu dela goste,
Das minhas trovas, querida,
Não posso excluir a morte:
Ela faz parte da vida.
Cuidado, meus beberrões!
Diz o adágio popular
Que o vinho afogou mais homens
Que toda a água do mar...
A fim de, dos maus humores,
A pessoa se livrar,
Dizem os sábios doutores,
Nada é melhor que suar .
Provérbios temos aos centos,
Este é dos mais verdadeiros:
“Deus criou os alimentos
E o Diabo, os cozinheiros ...”
Toda casa onde entra o sol,
Entra o sol e corre o ar,
– Diz um provérbio espanhol –
Doutor não precisa entrar.
Tu, ó Sêneca, prescreves,
Com teu profundo saber:
“Pague ao bom, porque lhe deves,
E ao mau, pra não lhe dever”.
Quem abusa da fartura
E come esganadamente,
Cava a sua sepultura
Com quê? com seus próprios dentes...
Quem vive sempre ocupado,
De não pecar tem razão:
Não sobra um momento vago
Para qualquer tentação.
Tem mais valor a saúde
Aos olhos da enfermidade,
Tal como aos da senectude
É mais bela a mocidade.
Se, de um lado, é perigoso
Ser alguém muito invejado,
Do outro lado, é doloroso
Ser por todos desprezado.
Consola a gente, afinal,
Ver que tudo é passageiro,
E que a morte, o grande mal,
Felizmente é o derradeiro.
“De que valeu, se eu não posso
Ensinar o que aprendi?”
Valeu muito: – achas que é pouco?
Aprendeste – o para ti.
Tens sempre que madrugar
Se quiseres ganhar fama:
O sol não pode te achar
Deitado ainda na cama.
Viveu entre seus discípulos
O bom Sócrates, é certo;
Porém, se fosse preciso,
Viveria no deserto.
Foge até mesmo das boas
Companhias, meu amigo:
Com ninguém estás melhor
Do que quando estás contigo.
Há pessoas que não gemem
Com pancada e bofetão,
E há outras que soltam gritos
Por causa de um beliscão.
O mal da democracia
Pode assim ser resumido:
O poder, sendo de todos,
É por poucos exercido.
O ideal é que o segredo
Que tu carregas contigo,
Todos pudessem saber,
Seja amigo ou inimigo.
Da saúde eis a ameaça:
Quem amigo é do torresmo
E do copo de cachaça,
É inimigo de si mesmo.
Meu avô gosta de vinho,
E a quem quer lhe dar conselhos
Cita um provérbio do Minho:
“O vinho é o leite dos velhos”.
Quem come para viver,
Dizemos que se alimenta;
Quem vive para comer,
Lá um dia se arrebenta.
Olha, amigo, não me digas
Que estás pago, eu não consinto:
Quanto mais me desobrigas,
Mais obrigado eu me sinto.
Palavras são só palavras:
Ensinam mais nossas mãos,
Trabalhando e dando exemplo,
Que a boca em conselhos vãos.
A vida, que coisa linda!
Feliz em dobro, eis–me aqui:
Feliz porque vivo ainda,
E feliz porque vivi.
Ainda que, no futuro,
Se confirme o teu temor,
Não achas uma besteira
Antecipar tua dor?
São apenas temporários
Os males reais da vida,
Enquanto os imaginários
Não têm fim nem têm medida.
“Que fazes?”– Falo comigo,
Diz o outro, contrafeito.
“Cuidado! – retruca o amigo,
Pois falas com um mau sujeito” ...
Diz um provérbio que Deus
Não gosta de trabalhar,
Mas, àqueles que trabalham,
Ele gosta de ajudar.
“Sei, hoje, porque chorei
O meu filho tanto assim:
Foi porque nunca pensei
Que morresse antes de mim”.
(SÊNECA)
Do filósofo há quem diga,
Tomado de estranho zelo,
Que ele não faz o que diz:
– Pois já fez muito em dizê–lo!
Quando as trevas a escondiam,
Eu tinha o maior desgosto:
Ficava aguardando o dia
Pra ver de novo o seu rosto.
Perfeito seria quem,
Com indiferença total,
Não se alegrasse com o bem
E não sofresse com o mal.
Velhas saudades guardamos!
Na vida, a cada momento,
Lembrar os que outrora amamos
É um doce padecimento.
O justo pode fazer
Tudo aquilo que quiser,
Pois jamais há de querer
Fazer o que não puder.
Sendo Deus juiz do Tempo,
Deu o apito inicial.
Será que, encerrando o jogo,
Vai dar o apito final?
Comigo mesmo e com Deus
Satisfeito eu hoje estou:
Nada mais preciso ser,
Sendo o troveiro que sou.
Das recordações do homem,
A mais remota e afastada
Era a do mendigo cego
Que se lembrava do Nada.
Não, não existe outra hora,
– Vibrou a voz do rabi –
O momento exato é agora,
E o lugar é este aqui.
Não acharás o que buscas,
Em outro lugar qualquer,
Se, no fundo de ti mesmo,
Tal coisa não estiver.
Pedimos a Deus que faça
Aquilo que desejamos;
Enquanto aquilo que é certo
Deus deseja que façamos.
O grande Platão dizia
Que nada novo aprendemos:
Só recordamos aquilo
Que de outras vidas trazemos.
Eu não sei quantos por cento,
A gente vê que em verdade,
Se é caro nosso alimento,
Muito mais cara é a vaidade.
Parecendo um ectoplasma,
Embora falsa não seja,
Tua tristeza é um fantasma
Que queres que a gente veja.
Ah se eu pudesse enfrentar
A morte desta maneira:
Com desdém, quase a zombar,
Sem nenhuma choradeira.
Meus olhos insaciáveis,
Sempre em busca do Ideal,
Quem dera fossem capazes
De ver o Ser Imortal.
Nem mesmo a jóia mais cara
Prova toda a gratidão:
Tem algo que só se paga
Dando o próprio coração.
Muitas vezes a homenagem
Não é, – bem podemos vê–lo,
Para honrar o personagem,
Mas só para corrompê–lo.
O que eu puder fazer hoje,
Mais que depressa farei,
Pois depressa o tempo foge,
E amanhã eu já não sei.
Nós nem notamos, não dói,
Mas é bom tomar sentido:
O tempo é cupim que rói,
Sem fazer qualquer ruído.
Desejas subir na vida,
É preciso ver se agüentas:
Quanto mais alta a subida,
Mais fortes são as tormentas.
Quando o homem se exauriu
Em sua luta terrena
E a esperança se extinguiu,
Suplica a Deus que entre em cena.
Se acaso a morte levar
Teu amigo ou teu irmão,
Teus olhos podem chorar
Mas sem encharcar o chão...
Os quadros que foi juntando
Ao pintor devem pesar
Talvez mais que as obras primas
Que ele deixou de pintar ...
Não comas a todo instante:
A severa vigilância,
Afinal é quem garante
Das pessoas a elegância.
Da gula não se desleixe,
Comida tem que ser pouca.
Cuidado: não é só peixe
Que morre através da boca.
Abrindo o teu coração,
Ouro puro devolvias:
– Quem transborda gratidão
Pode estar de mãos vazias.
Homem, na gruta da morte,
Que vale a tocha que levas?
Só serve para que vejas
Mais trevas além das trevas.
Quem perdeu a namorada,
Não se queixe nem reclame:
Se não tem mais a que amava,
Procure outra a quem ame.
Para Sêneca as mulheres
Têm licença de chorar.
Aos homens é tolerado
Apenas lacrimejar.
A gente em geral tropeça
Naquilo que ha de través:
Mas aquele que tem pressa,
Tropeça em seus próprios pés.
Se é covarde o homem que sofre
E por isso quer morrer,
E aquele que sofre horrores.
E mesmo assim quer viver?
Está vazio, ao meu lado,
Teu lugar em nossa mesa,
E eu saboreio, calado,
A doçura da tristeza.
O bem que você fizer,
Pode ser lançado ao mar,
Que no fundo, onde estiver,
Deus o haverá de enxergar.
A corrida dá cansaço
No atleta que é mais ligeiro;
E o calmo, estugando o passo,
Afinal chega primeiro.
Não existe sangue azul,
Sangue só tem uma cor,
São iguais todos os homens,
Quer no prazer quer na dor.
Não necessita de aplausos
Nem qualquer tipo de loa:
– A obra será louvada
Por si mesma, sendo boa.
Se quer cativar alguém,
Use palavras de mel.
Que nem as moscas, ninguém
Costuma gostar de fel...
Deus me perdoe a impiedade:
Há um tipo de sofredor
Que parece ter vaidade
De ostentar a própria dor.
Escravo, um modo tranqüilo
Esopo achou, de viver:
Com gôsto, fazia aquilo
Que era obrigado a fazer.
Não gosto de fazer contas,
A conta sai sempre errada.
Por isto virei poeta,
Não faço conta de nada ...
Queremos ter nossa vida
Pelos homens aprovada;
Mas, que depois de extinguida,
Só por Deus seja julgada.
A ser um sujeito bom,
Como é que se ensina alguém?
Nós temos que dar o tom,
É só lhe fazermos bem.
Não convém, onde te estimam,
Todo dia estar presente:
Não só na casa do amigo,
Na própria casa da gente ...
A gloria final pertence
Sempre à morte, ó historiadores,
Pois tanto aos vencidos vence
Como vence aos vencedores.
Mesmo sem lhe querer bem,
Quem não persegue o inimigo
E o deixa viver além,
É bom cristão, eu vos digo.
Sabendo que amanhã cedo
Eu posso estar de partida,
Busco acertar, toda noite,
As minhas contas com a vida.
Quem quer mais, não dá valor
Ao que já foi recebido:
Por isto o ganancioso
Sempre é mal–agradecido.
De ser dono ha vários modos:
Repara que o bem comum
Não se reparte entre todos,
É todo de cada um.
A satisfação que temos
De atrás deixar muita gente,
É toldada pela inveja
De ver os que estão na frente.
Mais parece um professor
Meu médico, quando fala:
Só fica explicando a dor,
Tem que saber é curá–la...
A nosso respeito, temos
Agradáveis ilusões,
E, graças a Deus, não vemos
As nossas imperfeições.
Elogios de amizade,
Quase sempre, ao recebê–los,
Aumentam nossa vontade
De fazer por merecê–los.
Para alguém ser iludido
Numa fração de segundo,
Basta ele estar convencido
Que é o mais esperto do mundo.
“Convencido como eu sou,
Qualquer bela qualidade
Que achem na minha pessoa,
Pra mim não é novidade.”
Quando estiver no final,
Desde já a Deus eu rogo:
Não me deixe viver mal,
Mas me ajude a morrer logo.
O interesse, tão culpado
Dos males que cometemos,
As vezes é responsável
Por algum bem que fazemos.
Por vaidade preferimos
A mentira dulçorosa
Que dos outros nós ouvimos
Do que a verdade amargosa.
Isto não é paradoxo
De um sofista, feito a esmo:
Só consegue amar o próximo
Quem antes ama a si mesmo.
Condenamos com arrogância
Os vícios que em outros vemos,
E damos pouca importância
Às virtudes que não temos.
“Padecer no Paraíso”
Não é do gosto moderno:
Hoje as mulheres, sem filhos,
Preferem gozar no Inferno ...
Por vários meios e modos
Exploram Cristo; porém,
O Cristo, sendo de todos,
Não é posse de ninguém.
Pecados de amor, só são
Pecados de dar horror,
Se forem, na ocasião,
Praticados sem amor.
Vão me esquecer bem depressa,
Sei disto, quando eu morrer.
Mas serei eu, – saibam dessa,
O primeiro a me esquecer.
É uma troca de carinho
A amizade: basta ver
Um burro coçando o outro,
Como tremem de prazer.
A mulher, por ser bonita,
Melhor esposa não é;
Sapato lindo e catita
Às vezes machuca o pé ...
Mão de sujeito avarento
Só se abre e o dinheiro solta
Quando tem um documento
Garantindo a sua volta.
Que a dor acabe comigo
Ou se acabe, – é bom saber
Que, de uma ou de outra maneira,
Terá fim meu padecer.
Em qualquer destes dois casos,
Meu amigo me ofendeu:
Se ele disse “tu me deves”
Ou disse “toma o que é teu”.
Sou pobre como ninguém,
– Marco Antônio ao povo diz –
Não deixarei nenhum bem
A não ser o bem que fiz.
Meu Deus, até posso estar
Já cansado de viver,
Mas eu não posso afirmar
Que estou pronto pra morrer.
Felizes os que trabalham
E enriquecem sua grei.
Moinho que mói o nada,
Como é triste, só eu sei!
Aquele que te faz festas
Que não costuma fazer,
Decerto alguma vantagem
De ti pretende obter.
O cão, teu fiel amigo,
Mostra mais satisfação
Ao ver que trazes contigo
Um bom pedaço de pão.
Se quiser empobrecer
Facilmente, sem sentir,
Põe gente para fazer
O trabalho e vai dormir.
Não é justo, desde o início,
Fecharmos a nossa mão,
Não fazendo um benefício
Com medo da ingratidão.
Paixão põe a gente louca,
Se temos obrigação
De manter fechada a boca
Quando grita o coração.
O anão, por ser esforçado,
Mais estatura não ganha,
Mesmo que tenha galgado
O topo de uma montanha.
O lampião, noite escura,
Lá no fundo do sertão,
Filtra uma luz doce e pura
Que enternece o coração.
Neste amplexo que trocamos,
Mais que os velhos que hoje somos
Nós, ó Justino, abraçamos
Os moços que outrora fomos.
Pior maneira não há
De ser bom, eu nunca vi:
É quando o sujeito dá
Quase arrancando de si.
A gente tem que ser livre,
Não depender de ninguém:
É como perder a vida
Devermos a vida a alguém.
Dizes que a fortuna é cega,
Eu desconfio por quê.
Tu acusas que ela é cega
Só porque nunca te vê.
Não vou nunca ao cemitério
Visitar um velho amigo,
Pois, onde quer que eu esteja,
Ele sempre está comigo.
Ladrão que rouba a um ladrão
Que muito tenha roubado,
Não deve ir para a prisão,
Deve é ser condecorado ...
É bom não se descuidar
Do caminho do dinheiro,
Que vem sempre devagar
E vai–se embora ligeiro.
Qualquer viagem que faças,
Leva contigo o dinheiro:
Não conversa nem faz graças,
Mas é o melhor companheiro.
Todo o poder do dinheiro
Nestes dois versos encerro:
“As cadeias feitas de ouro
São mais fortes que as de ferro.”
Mais dano causa a mentira,
Em qualquer sociedade,
Quanto mais for parecida
E semelhante à verdade.
Ó relógio de parede,
Não me tortures assim;
Pára com o teu tic–tac
E deixa de olhar pra mim.
Não deu por sua bondade,
Tinha em mente um outro fim:
Deu mais à sua vaidade
Do que propriamente a mim.
Disse um sábio personagem
Que a hipocrisia, que ilude,
Mais parece uma homenagem
Que o vício presta à virtude.
Aguardo o dia em que, enfim,
Irei misturar–me ao pó.
Só então – feliz de mim –
Com o Todo eu serei um só!
Ante qualquer ameaça
Diz o estóico, em voz severa:
“Só acha enorme a desgraça
Aquele que não a espera”.
Não é servir a um estranho
A pior das servidões:
É servir, a vida inteira,
Ás nossas próprias paixões.
Nesta fila que se vê,
Ninguém consegue explicar:
Espera não sabe o quê,
Sabe que tem que esperar.
Quem não herdou de uma tia
E em pouco tempo enricou,
Ou ganhou na loteria
Ou certamente furtou.
Não, eu não gosto de mim,
Eu apenas me tolero:
Fui feito por Deus assim,
Não sou assim porque quero.
Muito pior, certamente,
Qualquer morte programada,
Do que morrer de–repente,
De maneira inesperada.
É coisa que não tem jeito,
Esse homem que Deus criou
Nunca estará satisfeito
Com o gôzo que já passou.
Morrer ... dormir ... quero ver
Se, fazendo cerimônia,
Eu não vou adormecer
Por causa da minha insônia ...
Com teus defeitos, desgosto
Nenhum tu pareces ter;
Mas com os defeitos dos outros
Parece que tens prazer.
Às vezes a boa ação
Que porventura fizemos,
Atrai mais perseguição
Que o crime que cometemos.
De tudo o amor é capaz:
Num gesto incrivel, tem vez
Que o amante se torna audaz
Por causa da timidez.
Não ter amor e fingir
É difícil a valer;
Mas acho que é mais difícil
Ter um amor e esconder.
O rico andava a cavalo,
Por isto era “cavalheiro”.
No dia em que botou banca,
Transformou–se em vil banqueiro.
Somente existe um amor
No fundo dos corações.
Mas ha, sem nenhum valor,
Dezenas de imitações.
É aquilo que vamos vendo
Quando de trem viajamos:
As margens passam correndo ...
Mas somos nós que passamos.
Quando, estendido na cama,
No quarto você me vir,
Se estiver morto, me chame,
Se não, me deixe dormir.
Meu Deus, sinto um dó profundo,
Que às vezes me faz sofrer,
Por eu ter posto no mundo
Quem não pediu pra nascer.
Nunca estás pronta, estás quase ...
Este “quase”, em que consiste?
Tal expressão não tem base,
“Quase”, meu bem, não existe.
Eu gosto de viajar,
– Compadre Juca me disse –
Mas eu queria embarcar
Deixando em casa a velhice ...
O bem não se dá com o mal,
Mas tenha sempre cuidado
Com o perigoso rival,
Pois ele mora do lado.
Teria Deus expulsado
Adão, como ouvi dizer,
Ou ele se foi, cansado
De não ter o que fazer?
No momento de dormir.
E o porvir? se esvaneceu...
– Na morte não há porvir
Sem cessar falo na morte,
Mas com franqueza eu lhes digo:
Não sei se ela me persegue,
Ou se sou eu que a persigo.
Eu pensava no suicídio
E achei bom tomar um vinho.
''Calma lá, meu velho, – eu disse,
Espera mais um pouquinho...''
Ha momentos, ó Jesus,
Que eu me sinto pequenino
E faço o sinal da cruz
Como quando era menino.
Tal renúncia, eu não me iludo,
Vem do excesso de ambição:
Já que não pode ter tudo,
Ele de tudo abre mão.
Espelho, ó Santa Tereza,
Não serve para a humildade:
Ele, com toda a certeza,
Foi feito para a vaidade.
Aquele olhar suplicante
Penetra em nossos refolhos:
Sem dar sequer um latido,
O cão implora com os olhos!
Por ser tão rara a virtude
É que as pessoas a exaltam.
Como diz Santa Tereza,
“Faltas, em nós, nunca faltam”.
Seja na paz ou na guerra,
Leste a oeste, sul a norte,
Limpando a face da terra,
Capina a foice da morte.
Tendo todas as virtudes,
Mas não tendo a caridade,
Serei um sino vazio
Sem qualquer sonoridade.
Os ricos gozam a vida
E os pobres só passam mal.
Viva a morte! depois dela
Todo mundo fica igual.
Não confie nas palavras:
Porque somente o papel,
Onde tudo fica escrito,
É testemunha fiel.
Testemunha, ao menos uma,
Que de espanto não correu,
Todo milagre precisa:
Ou acham que não se deu.
Ninguém quer a tal viagem,
Acha o maior desconforto.
E ha quem pense na bobagem
De voltar... depois de morto.
Para La Rochefoucauld,
Um pessimista famoso,
Pode haver “bons” casamentos
Mas nenhum “maravilhoso”...
Pobre despreza a riqueza
Facilmente, quando fala.
Difícil é, com certeza,
Quem a possui não amá–la.
A vida me dá cansaço?
Faço isto: se estou deitado
Com o peso em cima de um braço,
Procuro trocar de lado...
Peço, ó rei, que retires,
Deixa a luz do sol passar:
Só peço que não me tires
O que não me podes dar.
De Deus não nos apartamos,
– Diz São Paulo com fervor –
Quer vivamos, quer morramos,
Sempre estamos com o Senhor.
Não foi ela, fez somente
O que seu chefe mandou:
A tentação da serpente,
Por trás, foi Deus quem tramou.
Poeta é dono do mundo,
Por isto acha que é tão sua
Quanto a casa em que ele mora,
A casa onde mora a lua.
É preciso ter cuidado
Com os suspiros e gemidos
E só falar cochichado,
Que as paredes têm ouvidos...
Todos sabem que em segredo
É que é bom fazer amor;
E uma pitada de medo
Aumenta mais seu sabor...
Só penso, agora, em ver Cristo,
Numa esplêndida alvorada:
Tudo por mim já foi visto,
Não me interessa mais nada.
Eu acho que no passado
Não se deve remexer,
Para não sentir saudade
Ou então se arrepender.
O futuro é idéia vã
Que engana e defrauda a gente;
Por qualquer bem do amanhã
Não troque os bens do presente.
Dos bens não sejas escravo,
Não te esqueças de que és gente:
Jamais te prendas às coisas,
Desfruta–as e segue em frente.
A fuga do Paraíso
Teve a maior importância;
Senhor do próprio juízo,
Adão deu adeus à Infância.
Melhor o dia da morte
Que o dia do nascimento;
Porque se neste começa,
No outro acaba o sofrimento.
Quanto mais vive, – que pena,
Mais o velho quer viver,
Como quem se agarra a um bem
Que está perto de perder.
O nosso amor à justiça
Vem do medo que se sente
De que algum dia a injustiça
Possa sobrar para a gente.
Que saudade que me vem
Quando escuto a ressonância
Daquele apito de trem
Vindo de longe, da infância...
No esforço de ser feliz,
– Eis, Pascal, uma verdade –
É que se encontra a raiz
Da nossa infelicidade.
Os profetas, com ameaças,
Ganham fama onde aparecem,
Já que não faltam desgraças,
Que todo dia acontecem.
Eu nunca pedi um beijo,
Não gosto de beijo dado:
Pra matar o meu desejo
Tem que ser beijo roubado.
Esse Deus desconhecido
Que a gente procura até,
Como vamos descobri–lo
Sem saber como Ele é?
Salomão, o mais feliz,
E Jó, o mais desgraçado,
Concordavam que esta vida
Era um lôgro consumado.
O pai, ao gerar um filho,
- Ó crueldade da sorte -
Transmite o fruto da vida
Já com a semente da morte
Nenhum valor ia ter,
Para nós, a gratidão,
Se não se pudésse ser
Ingrato sem punição.
Impele ás vezes à traição,
O amor tirânico e possessivo:
Mais por repulsa à escravidão
Que por qualquer outro motivo
É bom a gente não crer
Que há diabo de verdade:
Assim ele vai poder
Fazer o mal á vontade.
Não só as coisas que vemos,
Também nós, todos os eus
Que essas coisas percebemos,
Somos um sonho de Deus.
Não é esta a afirmação
Que Deus o mundo criou,
Se até hoje a Criação
Ainda não terminou.
Se o luto não for vencido
Por uma vondade de aço,
Há de ser enfim vencido,
Queira ou não, pelo cansaço.
Este velho realejo,
– eu ponho Descartes nisto –
Existe porque eu o vejo,
E por vê–lo é que eu existo.
Em casa vivia Sêneca,
Distante do mundo insano.
Dizia evitar os homens
Pra não ficar desumano.
Nem é preciso dizer
O que quer o pecador:
Quer é viver no prazer
E no fim morrer sem dor.
Tudo o que eu vejo acordado
E que real eu suponho,
Não tem mais realidade
Que o que eu vejo quando sonho.
Só mesmo quando a velhice
Inteiramente nos vence
É que entregamos aos filhos
O que já não nos pertence.
Bem merece aquele termo
Quem é bom de fingimento,
E que só cuida do enfermo
Pensando em seu testamento.
Os mortos nada mais sabem,
De tudo eles se esqueceram.
Eu fico desconfiado
Que nem sabem que morreram...
O veloz pode vencer
Ao bravo, em velocidade;
Mas isto não quer dizer
Que dobrou sua vontade.
Ao dar a alguém qualquer coisa,
Ele é fino que só vendo:
Nem parece que está dando
Mas que está só devolvendo.
Cuidado com os que te cercam,
Se és alguém rico e famoso:
Por baixo do adulador
Quase sempre há um invejoso.
Se solto alguma tolice,
Eu mesmo, depois de tudo,
Me envergonho do que disse,
Melhor ter nascido mudo.
Troca mais justa não há,
Assim é que tem de ser:
O afeto que a gente dá,
A gente quer receber.
Destas horas tão felizes,
Que amanhã serão lembradas,
Eu já sinto, meus amigos,
Saudades antecipadas.
Para o homem pessimista,
A solidão é um perigo:
É melhor estar com os outros
Do que sozinho consigo.
Não sabes em que lugar
Fica a morte a tocaiar–te;
Por isto, driblando o azar,
Foges dela em toda parte.
Uma faísca somente
Da palavra de Jesus
Faz brotar na alma da gente
Uma fogueira de luz!
Não é grato, é interesseiro,
Quem agradece, facundo,
Um benefício primeiro
Já de olho no segundo.
É uma tristeza, o passado
A gente vê se afastar,
Mas o futuro sonhado
Como demora a chegar!
Um anjo, um corpinho leve
Que a morte veio e ceifou!
Ó terra, que tu não peses
Sobre quem não te pesou.
Jesus Cristo, a gente sabe,
Era um juiz sem rancor:
Se condenava o pecado,
Perdoava o pecador.
Ó canarinho de outrora,
Meu canarinho querido,
Parece que eu te ouço agora
Cantando no meu ouvido!
Tanto nos afeiçoamos
Ao “emprego” de viver,
Que a “compulsória” enjeitamos
Com toda a força do ser.
Não contes, envaidecido,
Quantos são os pintos novos,
Antes de terem rompido,
Todos, a casca dos ovos.
Não sei de onde vim,
Não sei aonde vou:
Nada sei de mim,
Só Deus sabe quem sou.
Quem morre cedo, é vantagem,
Tem mais que ser invejado,
Pois terminou a viagem
Antes de ter se cansado.
Por mais longa que ela seja,
Minha vida, comparada
Com o tamanho dos milênios,
É do tamanho de nada.
Na verdade, para alguém
Ser tomado como exemplo
De um homem que viveu bem,
Tem que viver pouco tempo.
Aquele que põe–se em guarda,
E antes da hora padece
As penas que tanto aguarda,
Já que as aguarda, as merece.
Temos horror é do Nada:
Aposto que qualquer um
Prefere ir para o Inferno
Do que pra canto nenhum.
Ao mundo cheguei um dia
E até hoje aqui estou.
Já devia ter partido,
Deus porém me segurou.
Sou igualzinho à formiga
Em sua obstinação:
Eu não agüento uma espiga,
Mas sempre carrego um grão.
Talvez por isto é que a gente
Se queixa tanto: em verdade,
A saúde não se sente,
Só se sente a enfermidade.
Nunca deixa de ser pobre
Quem, por mais rico que seja,
Compara aquilo que tem
Com tudo quanto deseja.
Perder um ente querido
É nunca mais poder vê–lo.
Dói mais havê–lo perdido
Ou ter horror de perdê–lo?
Não lhe basta a insanidade,
Parece que ele acha pouco:
Faz questão e tem vaidade
De dizer que é muito louco.
Não digas que é manso o rio
Que tens de cruzar montado
No teu cavalo bravio
Antes de estar do outro lado.
Não entre em qualquer lugar
Que diante de ti surgir,
Sem saber, antes de entrar,
Por onde é que vais sair.
Não sei como comportar–me
Com os homens, quanto ao futuro:
Se é nobre fiar–me em todos,
Em nenhum é mais seguro.
Quis ser um pobre completo,
E a fim de se garantir,
Fez para si um decreto:
“É proibido pedir”.
Ele recusa comida,
Ainda que seja pouca,
Para não ter o trabalho
De ter que levá–la à boca ...
A dor da perda do amigo
Com o tempo se desvanece,
E uma suave tristeza
Em seu lugar permanece.
Não sei por que tens de ser,
Meu caro, tão apressado:
Tu queres me responder
Antes de eu ter perguntado.
Não podemos atingir
Da terra a profundidade,
Do céu a altura infinita
E nem de Deus a vontade.
Que jamais a ingratidão
Para mim seja um suplício,
Que empane a satisfação
De ter feito um benefício.
No tempo eles se perderam...
Lembrança alguma há de haver
Dos fatos que sucederam,
– E dos que irão suceder.
Deus só nos deu, em verdade,
Uma entrada para a vida.
Mas, não sei se por piedade,
Nos deu mais de uma saída.
Se achas triste este lugar
E que esta vida é uma peste,
É muito fácil voltar
Ao lugar de onde vieste ...
Abraços, beijos de fogo,
Em vez de aplacar o amor
Que anseia por desafogo,
Mais aumentam seu furor.
Se temes que teu amigo
Possa vir a te enganar,
Tu já lhe déste motivo
Para assim se comportar.
“Do sono não seja amigo”
Tu disseste, ó Salomão.
E ele hoje é meu inimigo,
Causa da minha aflição.
Difícil de se mover,
Quem está com má vontade,
Em tudo que vai fazer
Enxerga dificuldade.
O guerreiro que não foge
E que na luta porfia,
Se não pôde vencer hoje,
Há de vencer outro dia.
Eu ganhei, mesmo perdendo:
O dinheiro que eu perdi,
Vale afinal muito menos
Do que a lição que aprendi.
No casal que tem dois filhos,
Que conta se faz depois?
Cada um não tem um filho,
E sim cada um tem dois.
Só tenho que ficar mudo,
Palavra alguma eu direi:
Diante de Quem sabe tudo,
Quem sou eu, que nada sei!
Não deve ser tão difícil
Na hora, saber morrer:
Se tanta gente já soube,
Eu também hei de saber.
Um homem á moda antiga,
A gente o avalia bem
Pela conduta na vida
E não pelo que ele tem.
Comigo é desta maneira,
Não sei ficar esperando:
Mulher tem que ser ligeira,
Eu chamo e já vou andando.
Vou virar um vagabundo,
Pois eu, que não sou mais broto,
Quero andar por este mundo
Antes de ir para o outro ...
A gente aqui desta rua
Todo dia está morrendo:
Vou mudar para outra rua,
Vou sair daqui correndo...
Contrário ao amor do próximo,
Mais cego que qualquer cego,
Não é o ódio que sentimos,
É o amor ao próprio ego!
Que Deus me livre de tal:
Não ha fogo mais ardente
E que faça tanto mal
Quanto a língua maldizente.
Se somos filhos de Deus,
– São Paulo ensinou–nos isto –
Dele nós somos herdeiros
E co–herdeiros de Cristo.
Como eu gostava das moças,
Nos meus tempos de rapaz!
Agora, que fiquei velho,
Vejo que gosto ainda mais ...
Meus dias, como meus bens,
Seriam desperdiçados,
Se com os amigos que eu tenho
Não fossem compartilhados.
Eu não sei se devo crer,
Mas se o doutor não me ilude,
Corro o risco de morrer
Na mais perfeita saúde...
O tempo teve começo?
Se começou, terá fim?
Eu passo através do tempo
Ou ele passa por mim?
Por disfarçar–se tão bem,
Seduz com facilidade:
Que semelhança não tem
A adulação com a amizade!
Não maldigas essa dor,
Por muito que te aborreça:
Ela é a prova, meu amor,
De que mulher tem cabeça...
Abro os meus olhos e vejo
Que a manhã radiosa avança,
Borrifando a natureza
Com o orvalho da esperança!
Eles amavam seu corpo
Muito menos do que amas,
E quando a fé o exigia
Sabiam lançá–lo às chamas.
Não é de causar espanto
Que não colha beneficio
Quem não pára em nenhum canto,
Mudando sempre de oficio.
Só quando é contraditado
E outro argumento lhe falta
É que o sujeito, irritado,
Põe–se a falar em voz alta.
Ainda não se acabaram:
Por um tempo ficarão
Nos corações que os amaram
E ainda no mundo estão.
Sim, os ricos também morrem,
Como os pobres, é verdade;
Mas os pobres morrem antes,
Com maior facilidade.
O dever de que falamos,
Para nós o que é o dever?
É aquilo que nós achamos
Que os outros devem fazer ...
Não pense no Além, querida,
Cheia de medo e aflição,
Pois a morte, como a vida,
Pode ser uma ilusão.
Deus não mora em minha casa
Mas não me sinto sozinho;
É como, mal comparando,
Se ele fosse meu vizinho.
Esse morto é o meu retrato,
Parece demais comigo:
Vou ter essa mesma cara
Quando eu for para o jazigo.
Meu filho, não cruze os braços
Em teus momentos incertos:
O maior homem do mundo
Morreu de braços abertos!
Há um amigo que não foge
De nós, se estamos na cruz,
– A Cruz na qual ele esteve
Por nossa causa, – é Jesus.
Eu não me ponho a indagar
Quanto ainda vou viver:
Vou vivendo devagar
Para logo não morrer.
Quem diz que esgotou a vida
Não passa de um derrotado:
Em vez de esgotar a vida,
Por ela foi esgotado...
Tu pareces com o menino
Que, do pai levando relho,
Se coloca em desatino
A chorar diante do espelho.
Pior que aquele que fala
Mal de ti em tua ausência,
É quem te traz a noticia
Da alheia maledicência.
Não ha revisão de nada
No livro da nossa vida,
E qualquer página errada
Não pode ser corrigida.
A gente deve enfrentar
Qualquer perigo de pronto,
Mas não deve se apressar
E correr ao seu encontro
Na morte, – é Voltaire quem diz,
Como vou poder, então,
Cheirar sem ter mais nariz
E apalpar não tendo mão?...
Queria pedir a Deus
Que um só milagre fizesse:
– Que aquilo que mais almejo,
A fé que salva, eu tivesse!
Às vezes, aquele fio
É preciso que se corte:
Convém prolongar a vida,
Mas não prolongar a morte.
Este coração cansado
Nem serve mais pra viver.
Parece até que o coitado
Só serve para sofrer.
Cansei de buscar–me em vão,
Gastando o meu tempo à toa;
Vou mudar de ocupação
E buscar outra pessoa...
Hoje, no fim do caminho,
Não sei bem se arrependido,
Penso nos outros caminhos
Que eu podia ter seguido.
O santo, sim, que é feliz!
Por isto, em nenhum momento
Precisa de companhia
Ou qualquer divertimento.
O sino que tanto bate,
Que bate tão tristemente,
Quando ele bate, parece
Que está batendo na gente!
Sou meio louco, bem sei,
Mas não louco por inteiro,
Pois nunca me suicidei
Nem nunca rasguei dinheiro...
Olho o céu, olho as montanhas,
Olho uma nuvem passar...
E acabo me convencendo
Que a alma é função do olhar.
Querendo nos agradar,
Deus inventou a viagem.
E o diabo, pra infernizar,
Logo inventou a bagagem.
Não deves jamais ceder
Ao prazer, seja qual for:
Quem cede a qualquer prazer,
Acaba cedendo à dor.
Descartes! pra me instruir,
Quero só lhe perguntar:
A pedra, para existir,
Também precisa pensar?
Há mulher que, a vida inteira,
Nunca traiu o marido;
Não há mulher que uma vez,
Só uma, o tenha traído...
É rua de uma só mão
Nosso caminho na vida:
Não tem ida e volta não,
Até no fim, só tem ida.
Pra amar mulher muito bela
E desejar possuí–la,
Decerto é preciso vê–la,
Mas é melhor não ouvi–la...
Reclamas que o mundo é mau,
Sem todavia lembrar–te
Que neste mundo, afinal,
Tens também a tua parte.
Ao lado da manjedoira,
No nevoeiro matutino,
Eu vejo o bafo do boi
Aquecendo o Deus – Menino
A madame ainda imagina
Ter um corpo de escultura,
E na beira da piscina
Põe a nu sua feiura...
Ao céu não peça ventura,
Como se fosse uma estrela:
A nós cabe descobri–la,
Não cabe ao céu concedê–la
Não sabes, meu cão, que existes.
Mas, após termos morrido,
Nem eu nem tu saberemos
Ter algum dia existido.
Quem dirige é Deus, sabemos,
Pela estrada que seguimos;
Mas deixa que acreditemos
Que nós é que dirigimos.
O aplauso da multidão,
Que apenas dura um momento,
É como o rumor das folhas
Na hora que sopra o vento.
Cronos era diferente
Entre os deuses imortais:
Tinha um par de olhos na frente
E outro par de olhos atrás.
De que valeu, afinal,
Mais um dia que nem este,
Um dia sem graça, igual
A todos que já viveste!?
O majestoso Amazonas
Entra no oceano e some...
E perdendo a identidade,
Perde a gloria do seu nome,
Sem reclamar de cansaço,
Eu vou seguindo sozinho:
Nem sempre no mesmo passo,
Mas sempre num só caminho.
Se queres ser rico sempre,
Eis, amigo, a solução:
Em vez de aumentar teus bens
Diminui tua ambição.
De todas as servidões,
Mais indigna que a do pária,
Que serve à força ao seu dono,
É a servidão voluntária.
Anibal venceu nos Alpes
Os maiores sacrifícios;
Mas, na doçura de Cápua,
Foi vencido pelos vícios.
Nada existe, o mundo é um sonho...
Nós mesmos, todos os eus
Que supomos ver o mundo
Somos um sonho de Deus.
Eu já vi que tanto a dor,
Tanto a dor como a paixão,
Quanto maior ela for,
Menor sua duração.
Ha pessoas agradáveis
Que Deus me livre encontrar:
Se nos abraçam amáveis
É para nos sufocar.
Pensar incessantemente,
É perigosa doença,
E pode morrer demente
Quem até dormindo pensa.
Fumar, eu posso dizer,
É um prazer dos mais perfeitos,
Pois, como todo prazer,
Nunca nos põe satisfeitos.
Wilde escreveu, com razão,
Que a paixão correspondida
É que traz desilusão,
Pois morre logo em seguida.
Numa dupla escravidão
O homem vive desde cedo,
Escravo que é da ambição
E ao mesmo tempo do medo.
Tudo tem forma, tem cor,
Por isto é que nos encanta:
A beleza é exterior,
- Será que a essência adianta?
Jesus Cristo! eu já senti
Que estou quase a me render
À luz que emana de Ti
E ao teu divino poder.
Vejam aquele mendigo
Que, de pernas estendidas,
Pra nosso horror e castigo,
Exibe as suas feridas.
Eu tenho dois inimigos:
Meu inimigo diário
É o relógio, e o mais antigo
É o maldito calendário.
O rio manso do tempo
Só me arrasta para o mar,
E eu não vejo um galho ao menos
Em que possa me agarrar
Vou de trem, vendo a paisagem,
Numa tristeza sem fim,
E as bananeiras da margem
Ficam dando adeus pra mim...
O dinheiro vale muito.
Mas quando a hora é chegada,
Pra subornar dona Morte
Dinheiro não vale nada.
Buscar a morte, nem sempre
É prova de valentia,
E a gente fugir da morte
Não quer dizer covardia.
Dos modos de se viver
Este é o mais certo dos modos:
Cada um em sua casa
E Deus na casa de todos.
Deus, que é bom, e o não queria,
Fez o mundo mau que fez.
O jeito que Deus teria
Era fazê–lo outra vez...
O que peca contra Deus,
Se esconde e escapole em vão:
Não há canto onde não chegue
O poder da sua mão.
Lá, o favor se exigia.
Porém, por norma legal,
Contra os ingratos havia
Processo judicial.
Que a morte não tem remédio?
Parece até que não pensas:
A morte é o próprio remédio
Contra todas as doenças.
Ter aspecto de pobreza,
Roupa velha e sem botões,
Ainda é a melhor defesa
Que existe contra os ladrões.
Quando passa uma mulher
Pela rua a requebrar,
Quem pode deixar de ver
E de seguir com o olhar?!
O diabo, que é sabido
E que não usa mais rabo,
Por ser velho é que é temido,
Mais do que por ser diabo.
Eu, que outrora te amei tanto,
De tal modo te esqueci,
Que hoje em dia até me espanto
Quando me lembro de ti,
Diz a Biblia que em seis dias
Foi que Deus o mundo fez.
Eu não sei por que motivo
Não fez tudo de uma vez...
Pelos poderes do mal,
Em busca de fama e gloria,
Verdadeiros criminosos
Viraram heróis da História.
Favor que se receber
Traz sempre algum mal–estar:
O orgulho não quer dever
Pois não tem como pagar.
O prisioneiro da vida
Arrebenta, sem piedade,
A porta da morte e expira
Nos braços da liberdade.
Provérbio que a gente esquece:
Água é uma santa bebida
Que nunca nos adoece
E que a ninguém endivida.
Quem para fazer maldade
Não possui nenhum poder,
Louvor por sua bondade
Como pode merecer?
Quem vive sempre ocupado
E só sabe trabalhar,
Se torna um alienado,
Nem vê a vida passar.
Lá na França, em tempos idos,
Segundo um dito picante,
Mulher só tinha marido
A fim de irritar o amante...
Um homem desabusado
E que tem vontade forte,
Vence até, em muitos casos,
O que chamam de “má sorte”.
Por isto é que eu desconfio
Do falador convencido:
É sempre o tonel vazio
Que produz maior ruído.
Aniversário! é bem duro
Ver o mal que ele me faz:
Arranca do meu futuro
Um ano e passa pra trás.
Não vos deixeis enganar
Por um rosto sorridente:
Ele disfarça o pesar
Que existe na alma da gente.
Não podendo haver ciência
Como o mundo foi criado,
Dar palpite é uma imprudência,
É tudo palpite errado.
Mal notamos a presença
Dos que junto a nós estão:
Só tomamos consciência
Depois, quando eles se vão.
Não se conhece um sujeito
Só de vê–lo, assim, tranqüilo:
O que é preciso, com efeito,
Não é vê–lo mas ouvi–lo
A velhice põe, de fato,
– Diz Montaigne com desgosto –
Mais rugas em nossa alma
Que rugas em nosso rosto.
A pobreza verdadeira
São Francisco é quem descobre:
Só ele soube a maneira
De com júbilo ser pobre.
Eu mesmo não sentiria
O mínimo desconforto,
Se na cama, no outro dia,
Alguém me encontrasse morto.
Que bom seria, Fernando,
A gente morrer dormindo,
E ao mesmo tempo sonhando
Com o Paraiso, que é lindo...
Eis uma coisa que a gente
Não tem jeito de entender:
Aos que ele ama ardentemente
É que Deus mais faz sofrer.
Se não queres amolar–te,
Fica longe das querelas;
Delas jamais tomes parte,
Nem mesmo assistas a elas
Quando tomar emprestado,
É bom que você preveja
Que um dia termina o prazo,
Por mais longo que ele seja.
Acho que é menos difícil,
Toda vez que exageramos,
Expressar o que sentimos
Que sentir o que expressamos.
Eu também sou orgulhoso:
É por isto, e não à toa,
Que eu acho sempre acintoso
O orgulho de outra pessoa.
Não sejas tão apressado:
O que cedo amadurece,
Conforme reza o ditado,
Cedo também apodrece.
Para não perder a chance,
É preciso estar atento:
Ela chega num relance
E não aguarda um momento.
Dissipando seus haveres,
O pecador não entende
Que ele não compra os prazeres,
Mas aos prazeres se vende.
Quem passa o tempo a escavar,
Quem escava noite e dia,
Às vezes costuma achar
Aquilo que não queria.
Tenho um grito de revolta
Preso na minha garganta:
Grito que a gente não solta
É grito que não espanta.
Não é justo, e causa inveja
Entre a classe popular,
Que uns poucos tenham mais terra
Do que podem cultivar
Entre os animais ferozes,
Perigo é o caluniador:
Entre aqueles que são mansos,
Fujamos do adulador.
Meus pais, eu nunca senti
Que morrer eles pudessem;
E eu sinto que estão aqui,
Como se aqui estivessem!
O disfarce mais perfeito
Usado pela vaidade,
Engana porque tem jeito
Da maior simplicidade.
As vezes eu sinto inveja
Dos que têm obrigação;
Quando eles saem de casa,
Já sabem aonde vão.
Vaidoso é que nem moinho
Que se põe em movimento
E que só produz farinha
Na hora que sopra o vento.
Ás vezes, inconformado
Com a morte, chego a pensar
Que antes não ter começado
Que um dia ter que acabar.
É claro que preferimos
A doçura mentirosa
Que dos outros nós ouvimos
Do que a verdade amargosa.
Sim, eu sei que ela é terrivel,
Não há ninguém que a suporte.
Mas quem dá valor à vida
Não deixa de ser a morte.
Ó sino de alma de bronze,
Indiferente da sorte,
Tanto celebras a vida
Como celebras a morte.
Eu, se recebo um louvor
Que algum sujeito me faz,
Não penso que é adulador
Mas um homem perspicaz
Que não pediu pra nascer,
Do meu filho um dia ouvi.
Fui rápido em responder:
“ Você acha que eu pedi”?
Por força de só viver
Espreitando a consciência
Eu me tornei o “voyer”
Da minha própria existência.
Quizera, sem ter morrido,
No éter viver disperso,
E ser simplesmente o ouvido
Que escuta a voz do Universo
Lição para toda vida:
Antes, criança engatinha;
Só depois de bem crescida
Põe–se de pé e caminha
Tudo depende do jeito:
Tem um valor redobrado
O benefício que é feito
Antes que seja rogado.
A lisonja é nota falsa
Que circula em sociedade
E que em vez de prejuizo
Só causa felicidade...
Esconde do mundo as dores
Que por dentro te agoniam:
Os olhos dos teus censores
E os teus próprios te vigiam.
Desesperado de dor
Ele não quer mais viver.
Porém lhe falta o valor
Que é preciso para morrer.
Às vezes, durante a missa,
Voando vinha de fora
Uma veloz andorinha
Visitar Nossa Senhora.
Ninguém pode, ao mesmo tempo,
Agradecer, – veja bem,
As coisas que já possui
E invejar as que não tem
O Senhor me deu a vida
No dia em que me criou
E em todos os outros dias
Que da morte me livrou.
Tu não devias me dar
Dizendo o que me disseste.
Eu mal posso perdoar
O favor que me fizeste.
Sem medo e nenhum desgosto,
Quem pode a morte encarar
Com o mesmo sereno rosto
Com que dela ouve falar?
O bem que fizeste a alguém,
Não digas que foi bobagem.
Ou só fizeste esse bem
Pensando em tirar vantagem?
Eu tive tanto trabalho
Para este emprego obter,
Que a ninguém, só a mim mesmo,
Eu tenho que agradecer.
Para inveja não causar,
A renda do teu moinho
Tu não deves revelar,
Principalmente ao vizinho.
Quase sempre, quando há luta,
A razão, – vemos depois,
Não fica de um lado ou do outro,
Fica no meio, entre os dois.
Cão que é mesmo de morder,
Antes não põe–se a ladrar.
E o homem que é de fazer
Faz as coisas sem falar.
Costumo clamar aos céus
Nos transes da minha luta.
Mas acho às vezes que Deus
Somente aos mudos escuta.
Se alguém te engana uma vez,
Concordo que ele é o culpado.
Mas se te engana outra vez,
Quizeste ser enganado.
Eu fico às vezes perplexo:
Minha mente desvairada
Leva a extensão do Universo
Até a fronteira do Nada.
Tu que tens a pretensão
De adivinhar o porvir,
Não sabes nem se amanhã
Vais ver o sol ressurgir.
De que havia te emprestado
Eu já tinha me esquecido:
Assim, achei ter ganhado
O que me foi devolvido.
Quando chegou sua vez,
Pôs–se a falar, a falar,
Pedindo a Deus que uma ideia
Surgisse para o salvar...
Não faz tanta falta assim
Nenhum dos amigos meus:
Não posso é viver sem mim
E nem tampouco sem Deus.
Era só o que faltava:
Para fazer–me um favor,
Meu amigo reclamava,
Por falta de fiador.
O ingrato é aquele indivíduo
Que, egoista e descortês,
Pelo favor recebido
Goza apenas uma vez.
Quando o sujeito é sabido
E só quer aproveitar,
Faz papel de distraído,
Sem ver, ouvir, nem falar.
Conforme está na cartilha
Pela qual a gente reza,
Mais baixo o servo se humilha,
Mais alto o Senhor o eleva.
Se a sua soma for alta,
Qual será o resultado?
De tão repetida, a falta
Deixará de ser pecado.
Ficando a corcunda atrás,
Como o outro lado da lua,
Nós só vemos a dos outros,
Ninguém pode ver a sua.
A velhice, com certeza,
Por ninguem é desejada.
Não sei como, quando chega,
Costuma ser festejada.
Despende a mesma energia
O artista que é o Criador,
Para fazer um mendigo
Ou fazer um imperador.
“ Acredite se quiser “
Cansei de escutar na vida.
Querer, todo mundo quer,
Porém, sem querer, duvida.
Mais pobre do que ninguem
Entre todos os mortais,
Não é, não, quem nada tem,
E sim quem sempre quer mais.
Há tempos eu me investigo,
Paciente e cauteloso:
Todos meus passos eu sigo,
Qual se fosse um criminoso.
Ninguem reparte dinheiro
Com os outros, tão generoso;
Mas com os outros perde tempo
Que é muito mais valioso.
Valdívio acolhe a homenagem
Qual se fosse um pagamento,
Tributo mais que devido
Ao seu grão merecimento...
De tanto ter recebido
Os rudes golpes do fado,
Devias ter aprendido,
Ó Jó, a ser desgraçado.
Aqueles que, por bondade,
São fáceis em prometer,
Com a mesma facilidade
São capazes de esquecer.
Se o Casanova convida,
Para jantar, uma dama,
Ela vai, mas não duvida
Que a sobremesa é na cama...
Toda a água que existia
Sumiu dos sertões distantes,
Para brotar, em seguida,
Dos olhos dos retirantes!
Em qualquer lugar que estejas,
Entre flores ou abrolhos,
A mesma distância, ó vate,
Separa do céu teus olhos!
Quando eu contei ao Felipe
Que um seu amigo morreu,
Sabe o que foi que ele disse?
“ Antes ele do que eu...”
Para dar mais importância
Ao seu triunfo na vida,
Ele exalta a sua infância,
– Humilde, pobre e sofrida...
Se alguém procura por mim,
Bastante terá que andar:
Estou em lugar nenhum,
Que é o mais distante lugar...
Sais de casa descuidado
Caminhando por aí.
Mas a morte, passo a passo,
Te espreita e cuida de tí.
Vais dar mesmo? Porém quando?
Quem dá de boa vontade,
Não fica só protelando,
Dá logo, com brevidade.
Em travesseiro de nuvens
Repouso a minha cabeça:
Na companhia dos anjos,
Queira Deus que eu adormeça.
A dor, mesmo estando ausente,
De nós sempre participa:
Ou a memória a relembra.
Ou nosso medo a antecipa.
Amar os que nos admiram
É fácil, sempre os amamos.
O que já não é tão fácil
É amar os que admiramos.
Quem come assim, sem parar,
Todas as horas do dia,
Tem as mãos desocupadas,
Não a barriga vazia.
Não crêem nisto os ateus:
Sem ficar cego e demente,
O sol e o rosto de Deus
Ninguém pode ver de frente.
O Eterno é o tempo infinito,
E o Infinito, espaço eterno...
Confuso, eu disparo um grito
Que repercute no inferno!
O poeta é uma pessoa
Que vive sempre ocupada:
Faz versos andando à toa,
Mas julgam que não faz nada.
Não se sabe o que é pior,
Foi em Sêneca que eu li:
Ser adulador dos outros
Ou adulador de si.
Sendo a sorte uma mulher,
Ao nosso encontro, na vida,
Ela não vem por querer,
Precisa ser perseguida.
À dona do seu afeto,
Você pode se emprestar:
Dar–se, de modo completo,
Jamais concorde em se dar.
O Natal me dá tristeza,
Meu Deus, que contradição:
Só vejo em torno da mesa
Os que alí não mais estão.
No altar o Cristo se achava:
Quando o fitei com interesse,
Vi que tambem me fitava,
Talvez me reconhecesse!
O escravo que, por temor
Da morte, não se suicida,
Mais que escravo de um senhor,
Mostra que é escravo da vida.
Não, a treva não existe.
Quem filosofa, deduz
Que a treva afinal consiste
Na ausência apenas de luz.
O bem enfim conquistado,
Nosso prazer em retê–lo,
Só pode ser comparado
Ao receio de perdê–lo.
Quando faço um benefício,
O meu prazer em fazê–lo,
Tenho impressão que é maior
Que o de quem vai recebê–lo
Queres tomar minha vida?
Se for isto, ó Pai Celeste,
Que te seja devolvida,
Pois tu mesmo é que a me déste.
Prefiro me arrepender
Muitas vezes de ter dado,
Que arrepender–me uma vez
De sem razão ter negado.
De Deus sujeito aos desígnios
E à sua oculta vontade,
O homem não tem livre–arbítrio
Nem tampouco liberdade.
A mosca que arde na chama,
Voaria distraída,
Ou se lançou dentro dela,
Como alguem que se suicida...?
Vida, lanterna de nada...
O que vales? Com certeza,
Vales, depois de apagada,
Tanto quanto antes de acesa.
Na fria mansão dos mortos,
Tendo o relógio enguiçado,
Deixou de marcar as horas
E o tempo ficou parado.
Deixa passar um minuto,
Um só, e já não serás
O mesmo sujeito que eras
Um simples minuto atrás.
Não é que as leis dos romanos
Luto de um ano obrigassem:
Só queriam que as viuvas
Mais de um ano não chorassem.
Dinheiro que se amontoa,
Roubado dos operários...
Dinheiro que falta ao pobres
E que sobra aos milionários
O valor da nossa vida
– No fim é que nós veremos–
Não está no seu tamanho
Mas no que dela fizemos.
Escapar? Mas de que sorte?
Aproxima–se o meu fim:
Enquanto fujo da morte,
A vida foge de mim.
A flor que eu contemplo agora,
Em meu ser quer pendurar,
Insiste em ficar no foco
Do meu deslumbrado olhar.
Podes chorar à vontade
A perda do teu amor,
Até que chegue a saudade
Para adoçar tua dor.
Quando chega na família,
–Ó dura realidade–
A morte, tão conhecida,
É sempre uma novidade.
Não é somente a desgraça
Que sufoca: na verdade,
A gente as vezes se afoga
Na própria felicidade.
Vendo um colega de outrora
Tão velho e tão acabado,
Levei um susto na hora,
Pensei no meu próprio estado...
À crença dos outros povos
Chamamos superstição.
A nossa tem nome nobre,
Se chama religião.
Ó chá de malva cheirosa,
– Folha com nome de flor –
Cujo perfume de rosa
Se transfigura em sabor.
Eu tinha um belo futuro,
Foi o meu pai quem falou.
Sim era um belo futuro...
– Que pena que já passou!
O interesse, ou ambição,
Em qualquer arte ou oficio,
É a mola de toda ação,
Não acho que seja um vício.
Quase sempre, nossos vícios,
– La Bruyére não se ilude –
Se extinguem pela preguiça,
Não por amor à virtude.
A profissão de polícia,
Como alguém pode escolhê–la?
O polícia ganha a vida
Onde é mais fácil perdê–la.
É preciso ter cuidado:
Quem aberto o cofre deixa,
Se o dinheiro for roubado,
De si mesmo faça queixa.
Conhecimento não temos
Das coisas, o que é que são:
Só supomos que sabemos,
É tudo suposição.
Tive uma amarga surpresa
No dia em que, distraído,
Qando eu olhei para o espelho,
Vi que tinha envelhecido.
Conhecimento da morte?
Questão que ninguém deslinda:
Se o vivo não a conhece,
O morto menos ainda.
Quem foge a todo prazer
E não desfruta da sorte
Com medo de adoecer
Perde a vida antes da morte.
Eu amava uma palmeira,
Lá longe, no entardecer...
Veio a noite traiçoeira,
Não vi mais meu bem–querer!
Eu, a fim de proteger
Amizade que periga,
Costumo as vezes fazer
A chamada “boa intriga”
O morto não é feliz,
– Diz o incrédulo sem fé,
E também não é infeliz:
Não é nada, só NÃO É.
Apesar de todo o pranto
Que a humanidade chorou,
Nunca a morte devolveu
Aqueles que nos roubou.
Por duas coisas, não deve
Desesperar–se ninguém:
Aquilo que tem remédio,
E o que remédio não tem.
É da precipitação
Com que agimos no momento
Sem qualquer reflexão,
Que nasce o arrependimento.
Nesta casa com janelas
A minh’alma fez morada:
Mas a casa não é dela,
É só uma casa alugada.
Ah, se egoístas não sois
Plantai! – que os ramos floridos
Darão frutos que, depois,
Por outros serão colhidos.
Não tem João, não tem Antônio,
Não tem Paulo nem Tadeu:
O nome de todo homem
É só um, é apenas – Eu
Por haver quem nos conforte,
É só por isto que a dor
Costuma ficar mais forte
Quando existe espectador...
Para quê vou eu saber
Qual o mundo que há de vir
Depois que eu morto estiver
E já não mais existir?
Beneficios que fazias,
A fazê–los continuas:
Melhor nas mãos dos ingratos
Do que dormirem nas tuas.
Precisa ter alma grande,
A pessoa, pra saber
Receber sem se humilhar
Ou dar sem se enaltecer.
Na hora que ela vier,
A da foice, o que faremos?
Podemos virar–lhe as costas,
Fugir–lhe é que não podemos.
Os homens bem sucedidos
Têm esta infelicidade:
Vivem cercados de amigos
Mas carecem de amizade.
Sem ventos nem tempestades,
E até com certo conforto,
Minha vida, na verdade,
É hoje um triste mar morto.
Quem, no pricípio da vida,
Achava a gloria tão bela
E que tanto a perseguia,
No fim já fugia dela.

Diógenes x Alexandre
Nada podia tirar–lhe,
Nem dar–lhe nada podia,
Pois ele não tinha nada,
E também nada queria.
Por muito grande que fosse
O que o rei queria dar,
Era maior o que o sábio
Não desejava ganhar
...
De mim ninguém tenha dó,
Que esse dó é sem razão:
Na cidade estou mais só
Que aqui nesta solidão.
Todo mundo quer ser nobre,
Ter parentesco com os ricos.
Só um era irmão dos pobres:
Chamava–se São Francisco.
Quem tem muito não é rico,
É um engano, veja bem:
Na verdade só é rico
Quem acha muito o que tem.
Diz, brincando, o meu amigo
Que aos cem se aposentará.
Nem mesmo brincando, eu digo,
Vale a pena chegar lá...
O mau tempo, pelo menos,
Traz isto de bom consigo:
Não fica mosca nenhuma
E mais nenhum falso amigo.
Conforme a hora e o lugar,
Recuar, retroceder,
E só depois avançar,
É o melhor para vencer.
Deixe passar algum tempo,
Não fale ao irado logo;
Falar no mesmo momento
É pôr mais lenha no fogo.
Nela está toda a ciência:
–Paciência, meus irmãos!
Se tivermos paciência,
Morreremos anciãos.
Certo tipo de argumentos
Nem devem ser respondidos:
Às palavras de um idiota
Sejam surdos teus ouvidos.
Mas será que Deus existe?
Sim! para mim a evidência,
A prova de que Ele existe,
É que eu sinto a sua ausência.
Ó mulher, por que te entregas
A tão ruidoso pesar,
Parecendo ter nos olhos
Tanto prazer em chorar?!
Cresceu demais minha aldeia,
Meu Deus, que desilusão:
Hoje, tão grande e tão cheia,
Não cabe em meu coração.
O dia de hoje é fumaça,
Nenhuma força o detém:
Se vigias, ele passa,
Se dormes, passa também.
Falas pelos cotovelos
Os absurdos mais tranqüilos:
Tens tanto gosto em dizê–los,
Quanto eu desgosto em ouvi–los.
Um velho que vai a escola
É coisa errada? – Depende:
Em geral, o velho ensina,
Mas velho também aprende.
Não podemos atingir
Da terra a profundidade,
Do céu a altura infinita
E nem de Deus a vontade.
As coisas todas do reino,
Com razão os reis desejam.
Mas, que sendo todas suas,
Também do povo elas sejam.
Achou Demétrio que a soma
Que o rei lhe havia ofertado
Valia menos que a glória
De havê–la então recusado.
Um dia tu vais morrer,
Sem ter sequer o direito,
Que Deus não dá, de escolher
Nem a hora nem o jeito.
Ninguém tem livre a vontade
E nem age livremente:
Obedece à sociedade
De maneira inconsciente.
Por mais rápido que dês,
Déste muito devagar,
Se, ainda que uma só vez,
Foi preciso te rogar.
A dor que me castigou
Já passou, bem longe está.
E a que ainda não chegou,
Ela também passará
Já era uma idéia minha,
Quando isto, em São Paulo, eu li:
“Só se morre para os outros,
Ninguém morre para si”
Se depois não agradeço,
Eu estou pecando sim.
Mas se negas, de começo,
Já pecaste antes de mim.
Esvaneceu–se na hora
O prazer tão esperado:
Parece que foi–se embora
Mesmo antes de ter chegado.
Ouvir na noite os gemidos
Dos gatos fazendo amor,
Excita mais os sentidos
Que sexo em televisor...
Feliz por ter recusado
O presente oferecido
Pelo serviço prestado,
E por tê–lo merecido.
A morte é depois da vida?
A gente pensando bem,
Não é só depois da vida,
É antes dela também.
Quem fica em casa, trancado,
Não sai, não pega um transporte,
Está morto e sepultado,
E nem precisou da morte.
Quem morreu sem ter amado,
Sem ter amado e sofrido,
Pode escrever no atestado
Que “morreu sem ter vivido”
Mágoa não se manifesta,
Reprime e engole o teu pranto:
Se estar triste é coisa honesta,
Mostrar tristeza, nem tanto.
Para morrer, – que remédio?–
Eu acho que ainda é cedo:
Se a vida me causa tédio,
A morte me causa medo.
O homem vive a correr
Contra o tempo, em louco afã,
Só faltando ele querer
Chegar hoje ao amanhã.
O tempo não me obedece,
Parece fazer pirraça:
Quando eu quero que se apresse,
Aí é que ele não passa.
De mim não quer a poesia
Só o tempo que sobrar:
Quer todo, tirante o pouco
Que eu preciso descansar.
Inspiração posta à parte,
Na verdade é dando duro
Que o sujeito que faz arte
Alcança maior apuro.
Feliz do pai justo e bom
Que pode morrer tranqüilo:
Dar o perdão é melhor
Do que ao fim ter que pedi–lo.
Nós não temos pouco tempo,
– Isto é fato comprovado –
Temos tanto que até sobra
Para ser desperdiçado.
Feito amigo ou inimigo,
Dia e noite, noite e dia,
Eu ando sempre com migo
Goste ou não da companhia...
O lampião, no aconchego
Da noite, que ao sonho induz,
Posto em zeloso sossego,
Faz seu trabalho de luz.
Sendo a cera o combustivel
Da vela, – quem me responde:
A cera vai para a chama,
E a chama vai para onde?
Companhias de seguro,
Que mentem de toda sorte,
Chamam seguro de vida
O que é seguro de morte.
Quem se apressa em devolver
Qualquer favor recebido,
É um ingrato, podem crer,
Não quer ser agradecido.
Pagar é uma boa obra,
Não banque o sujeito à toa:
Pague àquele que te cobra
E àquele que te perdoa.
Niguém há que não a tema,
Também tu por ela choras:
– Aquela hora suprema
Estraga todas as horas.
Corpo marcado de estígmas,
– Jubiloso e dolorido –
São Francisco já não vive,
Por Jesus Cristo é vivido.
Nós, em sair desta vida,
Nunca estamos conformados;
Sair, quem sai é o suicida,
Os outros são arrancados.
A vida presente é breve.
A futura, duvidosa.
A passada? Deus que a leve,
Não vale um botão de rosa...
Ó poeta, o teu passado,
Quem disse que está perdido?
Pode ser recuperado
E até mesmo revivido.
Se ela é um fardo, a nossa vida,
A morte, à sua chegada,
Devia ser recebida
Com festa, e não malsinada.
Meus amigos, um a um,
Foram partido, – que dó:
E eu fui ficando mais triste
E cada dia mais só.
Quem não está satisfeito
Consigo mesmo, é exigente,
E com os outros, por despeito,
Anda sempre descontente.
Escorrendo mansamente
Pelos seixos impolutos,
Do tempo esvai–se a corrente
Sem tropeçar nos minutos.
Não sei não ... Deus está onde?
Se ele é bom, então me diga
A razão por que se esconde
E tanta vez nos castiga.
Mais expostos nós ficamos
Ao perigo que tememos,
Se então nos apavoramos
E, dando as costas, corremos.
Eu vivo de peito aberto,
Mas também sou cauteloso:
Prefiro o inimigo certo
Ao amigo duvidoso.
Eu mais a minha mulher
Nem precisamos falar:
A gente se desentende
Simplesmente pelo olhar...
As lágrimas de desgosto,
Não é vergonha senti–las
Escorrendo pelo rosto...
O vergonhoso é fingi–las.
Livros e livros, escritos
Com tanta dificuldade,
São folhas secas que leva
O vento da Eternidade.
Os homens de alma pequena
Só pensam em se vingar;
Os que têm grandeza de alma,
Sua glória é perdoar.
Há quem diga que a maldade
Está toda é na intenção.
Mas o que dói, na verdade,
É a pancada e o bofetão...
Ele busca disfarçar,
Fazendo–se de esquecido:
Parece se envergonhar
Pelo favor recebido.
Se ele perdeu a vontade
Que a gente tem de viver,
Não há remédio, em verdade,
Que lhe possa mais valer.
O chefe não é iludido
Pelos seus aduladores:
Ele acha ter merecido
Todos aqueles louvores.
De que valeu minha lida,
E tudo que eu vim a Ter,
Se só no final da vida
Foi que aprendi a viver!
Quem me dá de má vontade,
Não me obriga a lhe ser grato:
Pois não ganho, na verdade,
Na verdade eu lhe arrebato.
Dando na vida um balanço,
Pesaroso, eu concluí
Que ao longo de tantos anos
Bem poucos dias vivi.
Dar é dar, não é trocar:
Quem dá, já tem seu prazer
No instante mesmo em que dá,
Não em depois receber.
Quantas vezes, na voragem
Da luta em que se engalfinha,
O homem sente uma coragem
Que não sabia que tinha .
A mulher e sua sáia
Não conseguem combinar:
A mulher vai se assentando,
A sáia quer levantar...
Quem não se exercita sempre,
Acaba por esquecer
Aquilo que, longo tempo,
Ele deixou de fazer.
O homem de muitos negócios
Leva a vida escravizado,
Pois, pensando que os maneja,
Por eles é manejado.
O colar, seja qual for,
De diamante ou de cristal,
Tem sempre maior valor
No pescoço da rival.
Arrepender–se, quem disse
Que é coisa que não se faz?
Só os rios, – que tolice,
É que não voltam atrás.
Do fundo é a sabedoria,
E não brilharia ao sol,
Se o pensador, com mestria,
Não a fisgasse no anzol.
Tu pões as mãos no futuro
Querendo pegar com as duas,
O que está nas mãos da sorte
Largando o que está nas tuas
Deus, sendo bom, não queria
Fazer o mundo que fez..
jeito que Deus teria
Era fazê-lo outra vez...