Sonetos

COMO AS GAIVOTAS

Quem me dera vagar pelos espaços,
Livre do peso morto da matéria,
Depois de ter, enfim, rompido os laços
Que unem ao corpo nossa essência etérea.

Como as gaivotas, que não deixam traços
Em sua infinda trajetória aérea,
Deslizar e fugir sem embaraços
Pelo vazio da amplidão sidérea…

E após a noite escura desta vida,
Que atravessamos de alma confrangida,
À espera da sublime claridade,

Ver despontar, dos cimos do Oriente,
O sol, hóstia de luz resplandecente,
Que se ergue sobre o mar da eternidade!

Soares da Cunha
Academia Mineira de Letras
Belo Horizonte


OURO PRETO

Entre o incenso dos véus crepusculares
Que envolvem, no poente, a serrania,
Padre Sol, ajoelhado ante os altares,
Reza a longa oração da nostalgia.

Paira uma unção litúrgica nos ares…
Na Catedral da Tarde, erma e vazia,
Ressoam de repente os seculares
Sinos de bronze, lamentando o dia.

Ó sinos! Quando em dobres de tristeza
Fazeis tremer as lajes da cidade,
Os profetas de pedra, com certeza,

Despertando de um sono sem idade,
Hão de falar aos homens da grandeza
De Deus, e sua eterna majestade!

Soares da Cunha
Academia Mineira de Letras
Belo Horizonte


METEMPSICOSE

Talvez, em outros dias, outra Idade,
Numa vida passada que tivemos,
Envolta no mistério da saudade
E cujos episódios esquecemos;

Talvez (quem sabe se não é verdade?)
Habitando outro corpo que perdemos,
Nalgum belo país da antigüidade,
Foi que outrora nós dois nos conhecemos.

Por isso, meu amor, por tal razão
É que ao te ver, pelo primeiro dia,
Nas vestes da presente encarnação,

Tive a impressão de que me recordava
Que, não sei de onde, já te conhecia,
E, desde não sei quando, já te amava!

Soares da Cunha
Academia Mineira de Letras
Belo Horizonte